Meus cinco anjinhos

Tenho 25 anos, 5 filhos e sou mais uma brasileira vivendo esse pesadelo. Cheguei em Hong Kong dia 8/5/2023 onde imediatamente fui presa pela polícia. Em 22.05.23 cheguei no presídio, onde já estou há 1 ano. Já passei Natal, ano novo e aniversários da minha família neste lugar tão diferente, mas vou começar contando um pouco da minha história.

Eu nasci em Diadema, São Paulo, onde, para falar a verdade, conheço muito pouco. Quando tinha 4 anos, meus pais se separaram devido a problemas com traições do meu pai. Não me lembro dessa época. Meus avós paternos se mudaram para um interior logo em seguida, minha mãe virou a cabeça, não queria saber nada de mim. Era como se eu tivesse culpa da separação deles. Meu pai sumiu no mundo trabalhando para um parque de diversão, então fui morar no interior com meus avós.

E eu, uma criança, chorava e ficava doente, implorando o amor de alguém que era para me amar desde o meu primeiro suspiro.

Cresci rodeada de carinho e amor, mas sofria a dor de não entender o porquê da minha mãe e do meu pai não me amar. Olhava as crianças na escola sendo tão amadas e cuidadas pela mãe, mas nunca entendia por que a minha não era daquele jeito. Eles ficavam anos sem me ligar ou dizer que me amavam. Minha mãe prometia me visitar direto, mas nunca ia. E eu, uma criança, chorava e ficava doente, implorando o amor de alguém que era para me amar desde o meu primeiro suspiro.

Mas apesar disto, cresci com uma boa educação, estudando em colégios públicos, mas minha vida desde o começo já não foi fácil. Minha família era composta de 10 pessoas, tios, tias e primos, porém nossa sobrevivência era apenas com o aposento do meu avô.

Naquela época, minha família brigava muito. Se batiam, meu avô bebia demais e brigava com minha avó por besteira, dizia coisas horríveis, chamava ela de gorda velha, e eu via e sentia seu sofrimento, mas comigo eles sempre eram cheios de amor e carinho. Isso não posso reclamar, porém a situação era sofrida. O dinheiro era só para arroz e feijão, nada de biscoito, bolachas, guloseimas que uma criança adora. Isso era difícil ter em casa. Às vezes, recebíamos 1 biscoito no dia do pagamento do avô e depois só Deus sabe quando de novo. Eu jurei a mim mesma que quando eu crescesse iria ser diferente, iria dar orgulho aos meus avós e colocar fartura em casa.

Aos meus 14 anos, resolvi morar com minha mãe, pois não acreditava que ela não me amava. Fui em janeiro, em outubro, liguei para o meu avô implorando para me buscar, pois mesmo após tantos anos ela não tinha aprendido a me amar. No tempo que estive lá, ela me espancava sempre, me dava murros, me batia com o fio de ferro de passar roupa e dava tapas na minha cara. Quando voltei, estava decidida a odiá-la e jamais ser igual a ela, mas hoje vejo que só me enganei. Procurei em outras pessoas o amor que era para ela ter me dado, o amor de verdade!

Aos meus 15 anos, achei alguém que me jurava amor eterno, sem instruções de nada, engravidei.

Os pais do meu marido não aceitavam, expulsaram ele de casa e foi morar comigo na casa dos meus avós. Quando meu avô estava sóbrio, tratava ele super bem, mas quando bebia, humilhava ele. E claro que eu sentia todo o sofrimento. Após o nascimento do meu filho, descobri traições no meu casamento e mesmo no meio de todo o sofrimento, engravidei de novo, mas no fim não teve outra alternativa além da separação.

Após isso, voltei para a casa dos meus avós, onde agora a convivência era mais difícil. Meu avô, que antes bebia e humilhava minha avó, passou a me humilhar, a neta que voltou para casa com duas bocas a mais para ele sustentar.

Mesmo eu trabalhando dia e noite, ajudando nas despesas da casa e desejando nada faltar para os meus filhos, ainda não era suficiente para minha família. Nada era bom para eles.

Segundo casamento

Então, em 2018, me casei de novo. Ele era o marido perfeito aos olhos da minha família. Enfim, eles estavam orgulhosos de mim. Quando anunciei minha terceira gravidez, foi uma festa, pois agora eu era gente aos olhos deles. Mas ninguém imaginava o quanto aguentava dentro de casa, cada tapa e palavras maldosas que escutei até o dia que vi minha morte pelas mãos de quem jurava me amar, e decidi me separar.

O choque foi grande na família. A solteira com três filhos ouvia que eu só dava desgosto. Mas de novo, com o coração cheio de dor, me ergui, arrumei serviço de garçonete em hotel spa. Meu gerente me adorava, pois era dedicada, educada e estava disposta para todo trabalho. Em uma noite de distração, bastou para eu engravidar de novo. Fiquei mal, perdi o emprego e peguei uma infecção de urina gravíssima, onde me vi na obrigação de voltar para a casa dos meus avós.

Após o nascimento da minha filha, meu pai me chamou para morar com ele em Fortaleza, minha atual cidade. Em um mês lá, já tinha serviço. Estava feliz de novo, mas claro que as cicatrizes do passado nunca me abandonaram. Saí da casa do pai, onde fui morar com meu namorado na época, passei 3 anos juntos, suportei tudo, traição, mentira, mas estava decidida a não separar e dar o gostinho da família falar de mim de novo. Tomei providências para não engravidar, coloquei o DIU, pois os outros métodos não me ajudavam.

Após 3 anos, ele pediu separação. Sofri muito, mas me mantive em pé, pois minha força vinha de 4 anjinhos que precisavam de mim. Mas, após 15 dias de separação, veio o grande susto. Estava grávida, o que eu achava impossível, se tornou possível. Mas continuei trabalhando e lutando, trabalhei até o último dia grávida, pois meu maior medo era a mãe que eu tive!

Me encontrei em uma situação precária, onde estava sem emprego, desesperada, e com um bebê de 5 meses, na época com bronquite, chorando, pedia salvação para Deus…

Em 2023, estive na luta, onde infelizmente eu perdi no mês de abril. Me encontrei em uma situação precária, onde estava sem emprego, desesperada, e com um bebê de 5 meses, na época com bronquite, chorando, pedia salvação para Deus, pois enfrentava qualquer trabalho para poder suprir as necessidades e tratamento dos meus filhos, mas nunca pensei em tráfico!

Em um dia, uma “amiga” disse que podia me ajudar a conseguir o dinheiro para me estabilizar de novo. Ela disse que eu teria que passar 15 dias em São Paulo, mas quando voltasse, iria poder procurar serviço. No desespero de ver tudo desmoronando, aceitei sem pensar em nada, pois naquele momento a dor de ver meus filhos em uma situação ruim e meu pequeno doente precisando de mim era maior, mas obviamente que nunca imaginei que ela ia me colocar no mundo do tráfico. Então, no ato de desespero, viajei para São Paulo no dia 20.04.2023.

Cheguei em uma casa grande, em um bairro de classe alta, onde achei que iria ser empregada por um curto tempo. No mesmo dia à noite, apareceu um homem que explicou o trabalho. Eu gelei de medo, raiva pelo que a amiga me fez, e tristeza por estar me envolvendo nisso, mas não tinha mais como voltar atrás. Ele era um bandido, e só quem é do Brasil sabe como os bandidos agem quando são contrariados. Em 15 dias, já tinha passaporte e tudo que a viagem necessitava. No dia 6.5.2023, comecei a ingerir a droga.

O verdadeiro pesadelo começa

Foi um pesadelo.

Até hoje sinto o gosto horrível do plástico, a encoxação no meu corpo, a vontade de correr e punir, as ânsias de vômito, mas não imaginava que o pior estava por vir. Em 8.5.23, cheguei ao aeroporto de Hong Kong, onde tiraram minha alegria, minha esperança, minha paz e meus sonhos após muitas perguntas e revistas.

Me encaminharam para o hospital e me deram voz de prisão por ingerir
100 cápsulas de supostamente cocaína. Passei 15 dias no hospital, sem banho, sem escovar os dentes ou pentear o cabelo, bebendo remédios para expulsar a droga o mais rápido possível. Me sentia humilhada e mentalmente arrasada, onde fazia necessidades sempre vigiada, e ao final, não podendo me lavar. Para piorar, minha menstruação veio, e passei a usar calcinha descartável.

Em 22.5.23, dei entrada na prisão de Tai Lam onde ainda me encontro após 1 ano. O começo foi horrível. Estava em um lugar incomunicável, pois não falava nem inglês e nem cantonês, onde as pessoas riam e faziam bullying com as outras o tempo todo. Hoje me encontro adaptada, trabalho na lavanderia, onde me ensinaram a falar inglês e até um pouco do Cantonês. Fiz amigos, voltei a sorrir, mesmo assim a saudade me assombra, minha mente e minha inimiga, pois nela tem lembranças dos meus dias felizes, da minha vida e principalmente dos anjinhos que me esperam em casa.

Posso receber uma sentença de 25 anos, e eu só peço para ouvir um “mamãe” de novo, ver meus filhos se formarem e tornarem-se adultos, e não perder mais nenhum minuto da vida deles. Estando aqui, já perdi a primeira palavra do meu bebê, o primeiro engatinhar e já os primeiros passinhos, não dei sua primeira papinha, não vi minha menina ganhar o segundo lugar no Jiu-jitsu e estou arriscada a perder muito mais por um erro onde fui enganada. Me juraram dar uma vida melhor para eles e eu dei uma vida onde eles não têm a mãe para amar e cuidar. O que eu sempre temia aconteceu, abandonei eles, assim como a minha mãe me abandonou quando criança.

E para você que está lendo, não acredite nos “amigos”. A vida nunca é fácil, mas garanto que atrás das grades é pior, a solidão, a dor, a agonia e a saudade te matam pouco a pouco. Onde os dias são todos iguais, não podendo correr para os braços dos que te amam, pois sua liberdade foi tirada de ti assim como sua alegria. Onde existe fofoca, inveja e pessoas muito ruins, então antes de entrar nessa fria, corra para bem longe, pois quando entra dificilmente sai. A rosa é bela, mas com ela traz espinhos.

Aqui é mais um relato de uma que sofre sem seus filhos.